Acordei cedo demais no dia seguinte, meus olhos não
me obedeciam. Eles queriam ver o dia na manhã de Paris. Eu estava cansado e sem
sono. Me sentei na cama ao som do chuveiro e suspirei. O acontecimento da noite
anterior pairava sobre minha mente me atormentando já cedo. Mesmo pela hora,
levantei perto do meio dia e fui até ela que se encontrava lendo na sacada.
- Nick ligou.
Ela continuou calada como se eu não estivesse ali.
- A reunião foi adiada para hoje depois do almoço.
- Já estou sabendo. - Falou friamente e em seguida
se levantou me deixando sozinho.
Minha paciência estava mesmo sendo testada, mas eu
aguentaria até onde pudesse. Estávamos os dois parados na frente a porta da
sala em que apresentaríamos nosso tão aguardado projeto. Todos já nos esperavam
lá dentro, respiramos fundo.
Você
Eu estava apavorada. Pareciam que todos os meus
métodos de apresentação aprendidos durante todo esse tempo foram simplesmente
esquecidos.
- Acha que vai dar certo? - Olhei para ele, e logo
um flashback doloroso atingiu minha mente.
Flashback - Narrador
Pela primeira vez desde que oficializaram o
casamento, estavam parados em frente a porta de madeira. Estavam prestes a
entrar pela nova casa na vida de "finalmente casados". Ela estava
nervosa com a mão na maçaneta enquanto ele a encarava.
- Acha que vai dar certo? - Perguntou ela temerosa.
- Claro, agora somos o Sr. e Sra. Bieber. - Sorriu
a tranquilizando.
Off
- Claro. - Respirou fundo, me encarou por alguns
segundos e logo seus olhos fitaram o chão.
Ele havia se lembrado também, e assim como eu sabia
que sua frase estava incompleta.
Abrimos a porta e percebi cerca de dez pessoas nos
encarando ansiosas, por puro nervosismo começamos logo.
- Boa tarde, sou (NomeCompleto) e esse é o meu
marid... - Pausei nervosa. - ...Parceiro, Justin. Nos foi proposto há alguns
dias atrás um projeto grande para a Sweet Models e admito que foi um grande desafio
construir algo tão trabalhoso em poucos dias. Mas nós finalmente criamos algo
ótimo e creio que superamos expectativas. - Olhei para Justin para que ele
desse continuidade, mas nada.
Ele me observava atentamente, parado e por algum
motivo, seus olhos brilhavam. Justin me encarava como se estivéssemos sozinhos,
ele parecia completamente despreocupado com o projeto. A sua maior preocupação
no momento, era me analisar. Eu não o compreendia e tenho certeza de que as
outras pessoas ali muito menos. Seu olhar era significativo e sabia muito bem
disso, como sabia.
- Bom, ficamos entre três opções de projetos. -
Retomei sozinha. - Mas depois de difíceis decisões, achamos o projeto perfeito.
- Apontei para o telão onde mostrava em slides nossa incrível planta do prédio.
Arrancamos palavras positivas de todos presentes
ali, mas aquilo não diminuía meu maior problema. Ele continuava parado.
Suspirei grandiosamente assim que saímos da sala, o projeto foi muito bem
aceito, mas eu ainda não havia compreendido Justin.
- Você enlouqueceu? - Gritei assim que chegamos no
hotel. - Você me deixou na mão seu idiota! Se fosse para fazer isso sozinha, me
avisasse antes que iria me fazer passar vergonha!
- Me desculpe, eu realmente... - Tentou explicar.
- Não Justin! - Gritei ainda mais alto e sai da
presença dele. - Como sempre, confiar em você é uma decisão horrorosa!
- Não fala assim... - Foi o que ouvi ele suplicar
antes de eu fechar a porta e me trancar no banheiro.
Respirei fundo, eu me recusava a lembrar do
ocorrido. Não, eu não havia passado vergonha, mas podia ver claramente a
interrogação dos contratantes em relação a Justin parado como uma estátua atrás
de mim. Aquilo foi realmente o cúmulo para mim, não havia entrado nessa para
trabalhar sozinha.
- O que está fazendo? - Me perguntou enquanto eu
jogava as coisas dentro da grande mala. Eram quase sete horas, eu estava
atrasada.
- Vou embora, claro. - Falei óbvia sem encará-lo.
- Achei que queria passear mais por Paris. - Me
olhou confuso.
- Meu voo sai hoje á noite. E aliás, você não acha
que já aturamos um ao outro demais?
- Não.
- Eu acho. - Dei ombros. - Bom, tenho que ir.
Ouvi um alto suspiro da parte dele.
- (Nome), eu preciso falar com você...
- Ah, eu adoraria ouvir suas ladainhas, mas eu
realmente tenho que ir. - Coloquei a grande mala de rodinhas no chão.
- Espera, é sério. - Me seguiu.
- Estou atrasada, com licença. - Continuei em
direção a porta.
- Me ouve, é importante... - Tentou me segurar, mas
me esquivei.
- Te vejo em Washington. - Bati a porta.
Não demorei a achar um táxi que me levasse para o
aeroporto. O Charles de Gaulle ficava há vários minutos do hotel e eu tinha
possibilidades de perder o voo, mas geralmente as coisas costumavam dar
certo. Foi quase impossível, mas por sorte consegui chegar a tempo de
pegar o voo. Foi uma longa viagem mal descansada e cheguei com um grande nível
de exaustão.
Eu já estava em casa e estava na noite de domingo.
Apenas terminando o meu relatório eu já pensava em descansar. Eu já teria que
comparecer a empresa no dia seguinte bem cedo para entregar o relatório e falar
com meu chefe. Segundo Nick, Justin pretendia ficar mais um tempo lá, mas como
voltei, as despesas dele não seriam mais pagas pela empresa o obrigando a
voltar no dia seguinte. Respirei fundo, assim que terminei de escrever a última
palavra me deitei exausta na cama e não demorei a dormir.
Relatório pronto,
coisas em ordem, casa arrumada. Nada para me preocupar.
Eu andava pelo longo corredor que me levava até a
sala de Nick. Como sempre meu perfeccionismo não me permitia chegar antes de
estar pelo menos cinco minutos adiantada. Bati na porta e após a
permissão, entrei com um sorriso no rosto.
- Bom dia. - me aproximei, mas de repente percebi
uma presença a mais.
Justin? Impossível, a única forma dele chegar aqui
antes de mim é se eu morrer. O que não é o caso, claro.
- Deve estar tão surpresa quanto eu, suponho.
- Claramente. - Me sentei confusa enquanto
observava o sorriso maroto de Justin.
- Bom, eu queria esclarecer hoje que estou muito
orgulhoso de vocês. Eu já esperava que fossem me dar essa dádiva, mas não
esperava que fosse tamanha como é.
- Obrigado. - Falamos juntos.
- Porém, não chamei vocês aqui para isso. -
Respirou fundo e nós o olhamos confusos. - Uma das pessoas presentes lá me ligou
relatando tudo sem deixar um detalhe para trás. Justin, o que ocorreu lá?
Cruzei os braços, eu esperava pela mesma
resposta.
- Boulevard, é complicado... - Gesticulou
nervoso.
- Você poderia ter comprometido a apresentação e
isso é inadmissível. Vocês estão juntos e isso não depende apenas de um, por
isso são parceiros. Eu queria vê-los bem de verdade e não foi isso que vi.
Então exatamente por esse motivo fui obrigado por mim mesmo a tomar atitudes
severas quanto a isso. - Cruzou os braços.
- Atitudes severas? - Perguntei.
[...]
- "Terapia para casais"? - Justin leu o
letreiro em frente ao prédio. - Esse velho enlouqueceu?
- Eu não sei, só não quero ser demitida.
Assim que entramos percebi ser um local bem
organizado e havia alguns vasos de flor espalhados.
Mal chegamos e já fomos chamados. Algo me chamou
atenção assim que entramos na espaçosa sala, não estávamos apenas nós dois, mas
sim outros sete casais.
- Mas que porra é essa? - Justin disse alto.
- Cala boca. - O dei uma forte cotovelada.
Celeste, a psicóloga que acompanhava todos nós, nos
colocou em cadeiras primeiramente fazendo reconhecimento. Nos apresentamos
assim como as outras sete duplas e aquilo me parecia interessante. A única
parte ruim era Justin, sempre soltava comentários altos e sarcásticos o tempo
todo demonstrando que não queria estar ali. Típico.
- Aqueles dois não têm problemas, eles transam o
tempo todo. Não é difícil perceber, olha a mão atrevida dele. - Justin
cochichou para mim apontando um casal.
- Transar não significa estar bem. - Falei no mesmo
tom.
- Ah, significa sim. Pelo menos para nós
significava...
- Cala boca! - O estapeei forte.
Vi Celeste nos observar com cara feia, estávamos atrapalhando
sua aula. Soltei um “desculpe” quase inaudível e quando ela ia prosseguir,
Justin a interrompeu.
- Tenho uma pergunta. - Ele levantou a mão e
Celeste fez para que ele prosseguisse. - Transar significa estar bem? Porque
ela está duvidando de mim. - Apontou para mim que àquela altura já estava como
um tomate.
Celeste olhou para cima pensando, e logo disse:
- É uma questão muito interessante, porque de certa
forma vocês estão se comunicando. E não só no ato, mas também antes dele tem
que haver uma comunicação para saber o que o outro quer. A frequência sexual
também diz se vocês estão bem ou não, ou seja, sexo é sim estar bem. - Ela
sorriu para nós.
Eu estava com um anseio de morte, ele nunca havia
exposto nossa vida sexual assim, tão abertamente para ninguém. Mesmo
indiretamente, ele havia feito isso.
- É realmente complicado uma aula como essa,
estamos todos aqui praticamente expondo nossas vidas para outros e isso
normalmente não é confortável. Mas no momento, eu gostaria que todos vocês se
levantassem e se colocassem de frente um ao outro. - Ninguém se opôs, todos
fizemos o que nos era pedido. - Realmente acho que isso não seria apropriado
para primeira aula, mas por favor, preciso que se sintam mais à vontade.
Todos olhavam confusos para ela, o que ela queria?
- Por que estão aqui?
A sala toda deu ombros e logo ouvi baixos
cochichos. Olhei para Justin e dei ombros, nem um de nós sabíamos.
- Não faço ideia. - Justin disse baixinho
observando os outros casais.
- Eu muito menos. - Bufei.
- Bom, creio que estão aqui para resolver problemas
no casamento. - Não exatamente... - Vamos aproveitar essa
oportunidade de que estão frente ao outro e repitam comigo olhando para os
olhos de seu parceiro. "Eu me comprometo a tentar salvar o nosso
compromisso." Revirei os olhos, eu não repetiria absolutamente nada daquilo.
Não há chances de salvar algo que não existe mais, com toda certeza era um
absurdo. Ouvi Justin bufar e me olhar bravo, se ele concordava ou não eu não
ligava.
Não demorou a acabar todo aquele pesadelo. A
primeira aula como de costume era apenas um teste, mas sabíamos que teríamos
que frequentar todas elas.
- Sr. e Sra. Bieber! - Celeste nos gritou antes
mesmo de sairmos. Me virei rapidamente.
- (Nome), me chame assim. Por favor, não somos
casados.
- Perdão. - Sorriu sem graça. - Preciso falar com
vocês.
Nós a seguimos até sua sala e logo sentamos juntos
em um sofá macio enquanto ela se posicionava recostada em sua mesa.
- Nicholas me falou sobre vocês, posso dizer que me
senti interessada na história de vocês.
Ri sarcástica.
- Não temos uma história.
De canto de olho, percebi Justin me observar.
- Vocês são a história, (Nome).
- Celeste, nós não temos mais nada. Nem sabemos por
que estamos aqui!
- Não foi o que Nicholas me disse. - Cruzou os
braços. - Vocês são um casal tão lindo, mas para isso dar certo vocês têm que
se dar a chance de ao menos tentar. - Eu ia protestar, mas ela não me deu a
chance. - Pouco me importa se não são casados, isso não vem ao caso.
Aquela mulher estava maluquinha. Como ela podia
dizer em plena terapia para casal que eles não precisam ser um casal para
participar?
- Celeste, com todo o respeito, mas eu não queria
estar aqui.
- Compreendo, mas enquanto meu marido não vê-los
conseguindo sobreviver sobre o mesmo escritório vai ser complicado.
Meu queixo caiu sem dó.
- Vocês são...? - A olhei surpresa.
- Casados? Sim. A placa lá fora consta
"Celeste Marie Boulevard". - Falou risonha. - Bom, voltando ao rumo
do assunto. Hoje, percebi que vocês foram o único casal que não fez o
juramento. Gente, esse é um passo importantíssimo antes de começarmos com as
aulas. Se não respeitarem as normas, vamos ter problemas futuramente...
- ‘Tá, ‘tá. - Bufei. -
Eumecomprometoatentarsalvarnossocompromisso. - Falei rápido.
- Meu Deus! - Celeste gritou. - Se levantem agora e
façam o juramento como deve ser feito! - Para uma psicóloga, ela me parecia
muito alterada.
Relutante a obedecemos e demos as mãos. - Agora
falem.
Respirei fundo e olhei para ele. Aqueles olhos
castanhos me observavam atentamente apenas aguardando as palavras, Justin
permanecia quieto desde que Celeste nos fez ficar. Me parecia estranho, mas
ainda sim deixei para lá. Pausei os pensamentos, pisquei várias vezes e
resolvi.
- Justin, eu me comprometo a tentar salvar nosso
compromisso.
Provavelmente por uma leve alucinação pude perceber
um pequeno e leve sorriso brotar em seu rosto. Tão pequeno que quase passou
despercebido.
- (Nome)... - Ele olhou para o chão e respirou
fundo.
- Para ela, olhe para ela Sr. Bieber. - Ouvimos a
voz dela. Ele demorou um certo tempo que até cheguei a pensar que não diria
mais.
- (Nome), eu me comprometo a salvar o nosso
compromisso. - Falou de uma vez.
Mesmo depois de terminar a frase continuou olhando.
Seu olhar transmitia algo que eu não me lembrava, mas me trazia uma grande
nostalgia. Ele queria me dizer algo, eu conhecia seus olhos o suficiente para
saber disso. Eu sabia bem que ele havia alterado a frase, eu havia percebido
que ela não estava como deveria estar, mas não diria nada.
- Maravilha! - Celeste ressaltou nos fazendo
perceber que ela existia. - Vejo vocês na quarta-feira, até mais! Saímos de lá
e cada um seguiu seu rumo, nem trocamos palavras apenas fomos pra respectivas
casas.